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CAPA ESPECIAL

Ikaro Kadoshi

Ikaro Kadoshi se consolida como uma das drag queens mais reconhecidas no Brasil

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Fotos: Alex Santana @alexsantana21 Maquiagem: Alisson Rodrigues @alisson_rodrigues Peruca: André  Goi @andregoi Direcionamento Criativo: Fernando Zuccolotto @fernandozuccolotto

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Fotos: Alex Santana @alexsantana21 Maquiagem: Alisson Rodrigues @alisson_rodrigues Peruca: André  Goi @andregoi Direcionamento Criativo: Fernando Zuccolotto @fernandozuccolotto

Ikaro Kadoshi, nome artístico de Tiago Liberato.  Ele entrou para a cena artística em 2000, quando criou a icônica drag queen Ikaro Kadoshi, tornando-se uma das artistas mais reconhecidas no Brasil. No entanto, antes de sua arte ganhar notoriedade, Ikaro precisou enfrentar muitas batalhas em sua vida pessoal e entender o preço de ser livre e de escolher viver de uma arte que ainda é marginalizada em nosso país.

Ao longo de seus 23 anos de carreira, ele se apresentou em várias boates LGBTQIAPN+ no Brasil e em 10 países diferentes. Em 2016, fez história como a primeira drag queen a apresentar um programa de TV na América Latina, chamado "Drag Me As A Queen". Em 2021, quebrou barreiras ao ser a primeira drag queen a apresentar o Miss Universo, além de conduzir os programas de aquecimento do Emmy e do Oscar. Atualmente, ele é o apresentador do reality show "Caravana das Drags" ao lado de Xuxa Meneghel, disponível no Prime Video.

 

Confira o bate-papo exclusivo de Ikaro para YourMag.

Como foi sua infância? Você descobriu sua sexualidade com quantos anos? Teve apoio familiar? 

Minha infância foi extremamente desafiadora, repleta de momentos dolorosos que ficaram marcados na minha memória. Meu pai sofria com o vício do álcool e era violento com a minha mãe, eu e meus irmãos. Minhas primeiras lembranças de vida são de apanhar e ver minha mãe apanhando e a fome que passávamos. A primeira vez que ouvi a palavra “viado” direcionada a mim foi aos 9 anos, indo comprar pão: um cara passou de bicicleta do meu lado, me chutou e gritou “Viado” e saiu correndo. Voltei pra casa chorando e perguntei pra minha mãe o que era essa palavra. Ela, na época, disse que não era o momento pra essa conversa e pra eu ficar tranquilo. Eu era uma criança muito silenciosa, afeminada, delicada. Eu sabia que era diferente mas não sabia o que eu era. Até achei por um tempo que teria uma doença rara que ninguém me contava. Com 12 descobri que era gay e conversei com amigos que me diziam que todo gay era expulso de casa. E me preparei por isso. Aos 13 anos tomei coragem para me assumir para a família. Nesse momento, minha mãe foi crucial. Ao me acolher e aceitar como sou eu ganhei uma força pra enfrentar o mundo pois tinha minha mãe ao meu lado, um apoio. Infelizmente, o restante da família paterna se opôs veementemente. Meu avô, quando tinha 13 anos, me levou para ser exorcizado por 6 freiras, alegando que eu estava possuído pelo demônio da luxúria. Também me submeteu a sessões de hipnose e tentou me forçar a frequentar prostíbulos na esperança de me "tornar" homem. Essas experiências foram extremamente traumáticas, e ainda hoje é preciso lutar para que tudo isso que me aconteceu não seja o que me defina. Ressignificar tudo isso para não ser meu pior inimigo é um dos nortes da minha vida..

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Fotos: Alex Santana @alexsantana21 Maquiagem: Alisson Rodrigues @alisson_rodrigues Peruca: André  Goi @andregoi Direcionamento Criativo: Fernando Zuccolotto @fernandozuccolotto

Como se descobriu como Drag queen? Quais foram suas inspirações? 

Graças a todo o acontecimento da infância e começo da adolescência, eu me tornei muito tímido. Quase ninguém ouvia minha voz. Foi quando peguei um RG falso na época e, com 16 anos, fui a minha primeira boate em São José dos Campos, a “Divina Ciência “ e vi a primeira drag queen da minha vida. Amanda do Polly, que morava em Taubaté e também vendia pamonha montada de drag. Eu me encantei com a função social e desenvoltura das drag queens. Elas eram a cola da noite. Faziam correio elegante e faziam os solitários conhecerem amigos novos. A partir disso, comecei a frequentar os camarins, onde observava as “montações” e aprendia todos os truques. Em 1999, conheci Romana Rose, com a qual dividia a paixão pela mitologia greco-romana e por quem fui batizado de Ikaro. A partir disso, comecei a me olhar de uma forma diferente que nunca tinha parado para pensar: que poderia me montar, ser drag. Eu comecei a pensar em como fazer algo diferente da arte que eu via e passei a me enxergar como um quadro em branco. Queria fazer algo que fosse meu. Aos poucos, fui me aprimorando e experimentando diversas maquiagens, personagens e estéticas, sempre com batom escuro, os que via minha mãe usar, e figuras como Vera Verão e David Bowie. Em São Paulo, aprendi muito com Márcia Pantera, Silvetty Montilla e Dimmy Kieer, desde como lidar com público, até a desenvoltura no palco.

Cada passo dessa jornada foi fundamental para meu crescimento como artista e como pessoa. Por meio da arte da drag, descobri uma forma única de me expressar e de transmitir mensagens poderosas. Aprendi a abraçar minha individualidade, a ser corajoso e a desafiar os limites impostos pela sociedade. O Ikaro salvou o Tiago de si mesmo. E ainda salva… a arte me faz lembrar que vale a pena ser bom, vale a pena viver, vale a pena amar.

Quais foram os principais obstáculos que enfrentou ou enfrenta em sua carreira?

Acho que a arte marginalizada da drag queen já vem com barreiras pré-estabelecidas. Costumo dizer que se a margem tivesse uma margem, ali morava uma drag queen. Trazer algo novo causa um estranhamento no começo, e foi o que senti quando comecei a ter um visual diferente e fazendo músicas lentas, numa pegada teatral. Lembro-me do dia em que me devolveram o CD (sim, peguei a época da fita cassete e do centro!risos) perguntando se a música estava correta, pois nunca tinham visto alguém com aquela estética performando músicas dramáticas. Uma vez uma drag queen famosa na época chamou o diretor artístico da boate onde trabalhávamos pra dizer - na minha frente - que era um “absurdo” eu ganhar o mesmo cachê que as outras pois eu não usava peruca. Mas o maior obstáculo ainda é o estereótipo de uma drag queen que mora na mente das pessoas e das empresas: elas não sabem quem somos. Que mensagens temos. Do que podemos falar. 

Sempre que vou dar palestras, celebrar casamentos, ser mestre de cerimônias de eventos eu sempre ouço: “não sabia que uma drag queen podia falar tão bem”, ou, “achei que vocês só falassem de maquiagem e roupa” entre outras coisas. Então, o maior obstáculo é quebrar esse estereótipo para conseguir mais trabalhos e ter nossa arte levada ao seu lugar de merecimento.

Quais foram os principais obstáculos que enfrentou ou enfrenta em sua carreira?

Acho que a arte marginalizada da drag queen já vem com barreiras pré-estabelecidas. Costumo dizer que se a margem tivesse uma margem, ali morava uma drag queen. Trazer algo novo causa um estranhamento no começo, e foi o que senti quando comecei a ter um visual diferente e fazendo músicas lentas, numa pegada teatral. Lembro-me do dia em que me devolveram o CD (sim, peguei a época da fita cassete e do centro!risos) perguntando se a música estava correta, pois nunca tinham visto alguém com aquela estética performando músicas dramáticas. Uma vez uma drag queen famosa na época chamou o diretor artístico da boate onde trabalhávamos pra dizer - na minha frente - que era um “absurdo” eu ganhar o mesmo cachê que as outras pois eu não usava peruca. Mas o maior obstáculo ainda é o estereótipo de uma drag queen que mora na mente das pessoas e das empresas: elas não sabem quem somos. Que mensagens temos. Do que podemos falar. 

Sempre que vou dar palestras, celebrar casamentos, ser mestre de cerimônias de eventos eu sempre ouço: “não sabia que uma drag queen podia falar tão bem”, ou, “achei que vocês só falassem de maquiagem e roupa” entre outras coisas. Então, o maior obstáculo é quebrar esse estereótipo para conseguir mais trabalhos e ter nossa arte levada ao seu lugar de merecimento.

A Cultura Drag vem crescendo muito no Brasil, ganhando espaço na TV em premiações, como você vê esse movimento? O que precisamos evoluir ainda neste sentido?

O principal desafio ainda é a falta de valorização da minha arte, assim como o seu entendimento. A luta continua sendo pela maior visibilidade e oportunidades para as drag queens, além de incentivar as pessoas a conversarem sobre isso em suas próprias casas, durante o jantar, por exemplo, discutindo o que é a arte drag e o impacto que ela tem na vida das pessoas. As drag queens carregam consigo mensagens e reflexões, estando presentes em todos os lugares, mesmo que nem todos tenham compreendido isso ainda. Como arte universal, que tem suas origens com a própria história da humanidade,  a Drag pode e deve estar em todos os lugares. Não se trata de furar uma bolha, mas sim de um movimento que reflete um mundo que passou por mudanças geracionais, ideias e ideais, e agora está mais consciente do que é produzido em artes diversas. Óbvio que jamais devemos esquecer o fenômeno Rupauls Drag Race que colocou todos os processos e talentos de uma drag queen aos olhos do mundo pela TV e no fim, estamos apenas retornando aos nossos lugares de direito enquanto arte. E esse movimento só tem aumentado e espero que não pare!

O caminho é longo, pois arte marginalizada briga com uma instrução humana: a ignorância das pessoas.

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Fotos: Alex Santana @alexsantana21 Maquiagem: Alisson Rodrigues @alisson_rodrigues Peruca: André  Goi @andregoi Direcionamento Criativo: Fernando Zuccolotto @fernandozuccolotto

Olhando a sua trajetória, você tem um DNA desbravador, foi uma Drag pioneira em ter um programa de TV, apresentou premiações importantes, o que ainda deseja alcançar?

Nem nos meus maiores sonhos eu imaginei viver tanta coisa linda. Ver portas abertas pela primeira vez a drag queens é quem as atravessou fui eu! Quando imaginaríamos uma drag transmitindo pela TV um Miss Universo, um Oscar, um Emmy? Posso dizer que fui eu com orgulho! E tem muita coisa a conquistar ainda! Eu tenho um sonho desde quando me tornei drag (e lá se vão 23 anos), o de ser “a Hebe Camargo das Drag Queens”, com isso ter um programa de entrevistas. Também, levar a minha arte para o maior número de pessoas e países, e fomentar a discussão sobre a arte Drag.

Qual foi a maior dificuldade que enfrentou para se tornar apresentador de televisão?

No Brasil, a valorização da própria cultura e o conhecimento de sua história são muitas vezes negligenciados. Portanto, abrir caminhos para a cultura Drag em um país tão permeado pelo preconceito é uma tarefa desafiadora que requer talento, coragem e, acima de tudo, estudo. É uma quebra de estereótipos constante, ter que provar sempre que somos capazes de fazer as mesmas coisas que os apresentadores fazem, com o adicional de termos um visual impactante e lúdico/encantador. É um degrau por vez, um programa por vez, e as pessoas vão conhecendo seu trabalho e entendendo que você, inclusive, tem muito mais possibilidades de entrega como apresentador exatamente por ser drag. Então, foi uma jornada árdua conquistar meu espaço e provar que eu poderia estar lá como apresentador, mostrando que as drags têm muito a compartilhar e podem ocupar espaços para além dos clubes e shows tradicionais. Mas sigo firme!

O programa Caravana das Drags passou por alguns lugares do Brasil. Como foi ter contato com diferentes culturas? e como foi levar a cultura Drags para esses lugares?

Desafiador e ao mesmo tempo gratificante! Ficamos quatro dias em cada cidade gravando ao redor do Brasil. Em Diamantina, Minas Gerais, o impacto foi maior. Foi onde percebemos a importância de levar representatividade aos lugares: ao conhecer e conversar com as pessoas da cidade, entendemos os desafios de ser LGBTQIAPN+ ali, sendo uma realidade  dura, ao ponto dessas pessoas não andarem sozinhas por medo da violência e preconceito. Geralmente, os LGBTQIAPN+ moram em repúblicas e sofrem hostilidades. Quando penso na mistura de arte Drag com as culturas dos estados em que gravamos, percebo que a magia do programa mora na junção de arte e cultura, e isso é transformador. Cada estado com sua peculiaridade, com seus estilos de drag, suas artes locais e suas visões da arte em geral, misturado com a peculiaridade de cada competidora Drag Queen. A Caravana pra mim é um conhecer (ou reconhecer) o Brasil e a cultura brasileira pelo olhar de uma de drag queen, o que é quase uma poesia.

Qual a principal mensagem que você acredita que o programa passou para o público? 

Diversidade e pluralidade são características marcantes do nosso país, rico em cultura, e cada região possui algo valioso a nos ensinar. No entanto, infelizmente, ainda somos uma nação permeada pelo preconceito. Levar a Caravana e a arte drag para diferentes cidades foi uma forma de mostrar que há muito a ser aprendido e que, mesmo quando nos sentimos isolados, não estamos sozinhos. Acolher o outro é sempre uma questão de escolha. Se distanciar também! Escolhemos acolher, e falar as coisas com o afeto (coisa em falta hoje em dia). Estamos unidos na luta para reconquistar os espaços que nos pertencem, e juntos somos mais fortes.

Como foi trabalhar com a Xuxa? Tiveram muitas trocas?

Eu acho que a Xuxa sempre foi importante em significados para mim porque ela fala com a minha criança interior. Brinco com ela que ela foi minha babá. Pois quando a violência doméstica acontecia em casa, minha mãe nos colocava para assistir ao programa da Xuxa e ia pra outro cômodo para nos proteger do meu pai. Quando o programa acabava eu chorava pois sabia o que a realidade me traria. A Xuxa também representa sonho, esperança e resiliência. Não desistir de si e eu não desisti. O destino me uniu com a Xuxa muitos anos depois para apresentar a Caravana das Drags, e acho que o resumo de trabalhar com ela é: aprendizado! Eu aprendi muito, em todos os sentidos. Como ser humano, como profissional. Ela sabe muita coisa e se você for observador como eu, aprende o tempo inteiro! Sendo assim, sou grato demais por isso! Ela é dinâmica, entregue, apaixonada no que faz. E eu também. E todas essas características ganham vida quando você a observa. Eu tô vivendo um sonho e não quero acordar tão cedo.

Estamos no Mês do do Orgulho LGBTQIA+? Qual a importância da data? 

Ao observar o mundo à sua volta, não é difícil perceber que ninguém é igual a ninguém, não é mesmo? A obviedade da pluralidade e complexidade humana é clara, me espanta o espanto das pessoas  descobrirem que a sexualidade é complexa e diversa. Mas o mundo seguindo movimentos determinados por pessoas e seus objetivos transformou o sexo em tabu, controle, repressão e demonização. Assim sabemos que em Stonewall, em 28 de junho de 1969, nos Estados Unidos, foi o marco de levante dos LGBTQIAPN+ contra a repressão policial e da sociedade sobre a comunidade. Junho se torna o mês do Orgulho por isso. No Brasil a luta também já acontecia, por exemplo, na época da ditadura de 1964. O Brasil, hoje, é o país que mais mata LGBTQIAPN+ do mundo,  pelo 14º ano consecutivo. E nossa luta não nos dá  descanso. Enquanto tiver pessoas sendo mortas por serem quem são em suas sexualidades, marcharemos, enquanto pessoas sofrerem bullying e violência por serem quem são, marcharemos, enquanto os LGBTQIAPN+ não tiverem seus direitos garantidos em igualdade com o resto da população, marcharemos, enquanto alguém achar que seria melhor estar morto do que estar vivo e ser LGBTQIAPN+, marcharemos! Tendo ar nos meus pulmões, não descansarei na luta. Junho é o mês  do orgulho, mas somos LGBTQIAPN+ o ano todo, o tempo inteiro.

No mês do orgulho, qual a mensagem que você deseja deixar para os leitores da YourMag?

Eu espero que você se conheça o suficiente para se amar. Que se entenda. Entenda seus processos. Entenda quem você é em relação ao sexo. Sua sexualidade. E entenda: não há nada de errado em você. Você não está sozinho. Existe uma infinidade de pessoas que tem seu desejo orientado para as mesmas pessoas que você. E repito: se distanciar é uma escolha, acolher é uma escolha, proteger é uma escolha, amar é uma escolha. Respeitar é uma obrigação humana!

Quais seus próximos projetos para 2023?

Dos que posso contar, acabei de ser o apresentador da transmissão da 27 parada LGBTQIAPN+ de São Paulo (a maior parada do mundo) e foi um presente gigante pra mim ser o fio condutor da parada. Um projeto de entrevistas vai sair do papel e eu estou muito animado para discutir o ser humano nesse tempo e espaço que existimos. E tô casamenteiro esse ano, celebrando vários. Tenho uma turnê de shows pela Europa nesse segundo semestre e começo a expansão para outras cidades do meu mais novo filho, o Drag Brunch Brasil, um brunch com shows de drag na hora do almoço na Vila Olímpia, em São Paulo,  que completa um ano em julho com 12 edições sold out. E sempre tô animado em como a vida me surpreende!

Fotos: Alex Santana @alexsantana21 Maquiagem: Alisson Rodrigues @alisson_rodrigues Peruca: André  Goi @andregoi Direcionamento Criativo: Fernando Zuccolotto @fernandozuccolotto

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